quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Sorte de hoje

Acorde bem cedo, antes de se levantar completamente, sinta com os pés, o chão que te apara.
Vista-se inadequadamente para a ocasião.
Utilize assessórios fora de moda e um cachecol para o calor ou um chapeu para a chuva.
Rasgue a agenda do dia... e da noite também.
Aventure-se ao desconhecido.
Preste atenção ao que o horóscopo está orientando.
Não! Em hipótese alguma, não leia o que escrevi.
Tenha sorte hoje!

Jardim Térmico

No meio desse mês. No centro das emoções. Nas entranhas. Existe um jardim secreto.
Um jardim coberto pelas folhas.
Um branco pra contrastar com as flores plantadas à pinceladas na memória



Foto: Jossier Boleão

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Um dia com você

Dias de largos e barulhentos sorrisos.
Coisas que só o riso explica.
Momentos de euforia, de brincadeira e de verdades.


É, verdade – essa loucura sana que desbunda nosso conceito.
Ou então, é essa amizade doida que desnuda nosso jeito:
De ser a própria loucura, a pequena santidade. Que santidade?!


Essa que tu chamas de liberdade. Nós chamamos de amizade.
Essa que tu chamas de libertinagem. Nós chamamos de maquiagem.
Essa que tu chamas de vagabundagem. Nós chamamos de felicidade.


Um dia com você.
Um momento com você.
Um molho rosê.



Uma tarde com você.
Uma noite com você.
Um filme pra perder a rima
Um dia com você pra rimar com alegria.

Meu pretinho

Ele é preto, pretinho, pretão... E não venham com conceitos, preceitos e pré-conceitos. Eu conheço todos.
Ah, este não é um texto, é uma declaração de amor. E coisas assim não precisam ser politicamente corretas. Bastam ser incoerentes, redundantes e exageradamente constrangedoras.


Esqueci o que eu ia declarar!


Ah, lembrei: tu és o pretinho que inunda meu coração com seu olhar amarelo ouro, acompanhado de um jeito faceiro que me faz abandonar o jeito rude e brincar como criança.


Seu burrinho de pelúcia, sua flor de chita, sua bola de pêlos e seu ratinho – itens inseparáveis para as brincadeiras são como uma terapia para nós.


Um segredo: passar a mão na tua barriga peludinha e cheia de gordurinha é um alívio. Por isso seu nome: Ariel. Amor de destino. Gato preto que toda sexta faço questão que cruze meu caminho.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Meu caminho de casa é o cemitério

Curiosamente, eu já afirmei que não tenho afinidade com a morte. Detesto caixão e não vejo glamour em seus adornos. De nada me servirão!

Mas tive que adotar uma referência de contra-senso para mim: o cemitério. Quando alguém pergunta para qual lado da cidade eu moro. Afirmo com precisão: “Atrás do cemitério”!

Acostumei com o fato de que o cemitério da cidade é o lugar mais próximo e rápido para eu me sentir em casa. Não se engane: ainda tenho pretensão de viver muito! Mas, é inegável a ideia de passar todas as tardes, na boquinha da noite, sob forte pressão do calor, em frente ao cemitério e encurtar o tempo do meu trabalho para o sofá.

Logo nos primeiros dias, eu achava estranho. Ficava observando a grande quantidade de árvores e flores. Até tenho dúvidas ainda, pois não sei se o número de almas ultrapassa, ou se para cada alma há uma árvore. Pessoalmente, nenhuma delas me disse sobre a questão.

Hoje, acho natural fazer o meu caminho, a morada de algum punhado de espíritos bons e ruins ou talvez. Eles sempre estão em silêncio. Não sei se são proibidos de falar algo, ou se realmente preferem se manter em segredo e preservar as leis de sua nova vida.

Sei que sempre estão chegando novos hóspedes. O lugar é cuidado por um senhor que veste um chinelo preto, calças cor de terra com a barra dobrada deixando à mostra o ponto fatal de Aquiles, uma camisa do mesmo tom, sempre aberta – como se não houvesse botões – e um chapeu de palha, acompanhado de uma enxada. É o guardião do lugar.  

Eu costumo respeitar o local e passo sempre em silêncio. Aproveito para pensar na ausência de tempo daquele lugar, em uma atemporalidade eminente. Porém, depois de muito tempo, fui surpreendido: - “Olha aqui os números da mega. Está acumulada. Se eu ganhar...”. Dei um sorriso e confirmei: “Sua vida vai mudar”. Era o guardião, enxergando a vida num local que muitos não a vêem mais.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Entre galhos



 
Entre estes galhos retorcidos de minha vida,
Presenciei o crescimento de uma espessa casca
Em tons de coragem enfeitada por ramos
De sonhos, de vida, de dificuldades, de alegrias
Mas com gotas de flores pingadas pela noite enluarada.


Foto: Jossier Boleão


quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Bolinhas de gude

Entre bolinhas que faziam seu dia, o menino mirava os pequenos buracos feitos com ousadia no chão.
Os buracos rasgados na terra, à sombra da mangueira, competiam entre si e as bolinhas tentavam esquivar-se da melancolia.
Mas era solitário e só existia entre bolinhas de gude.
Bolinhas de gude
Vidinha nas bolinhas
Uma vida de gude-gude, à sombra da mangueira.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Língua de Fogo

Aqui, já não encontro mais as verdes árvores, nem o azul do céu.
Neste lugar, os dias são cinzentos com gosto de último momento.
Aqui, não procuro mais a sombra da floresta.
Eu encontro a imensidão da fumaça.
Procuro pelo dia brando e pela noite enluarada
Mas a lua já não vem mais.
Há vergonha e o pecado a encobre com uma renda de fumaça cor de tristeza.
O momento é de um tempo. Tempo gritos. Silenciosos gritos.
Aqui, neste lugar, não encontro o frescor.
Caminho entre as línguas de fogo.
Percorro entre os línguas de fogo.
Desvio deles para passar entre.
Aqui, neste lugar, tudo é fogo: até as pessoas!

Cupinzeiro da capoeira

Naquele dia, quando o sol beirava as paredes esculpidas com cuspe, vi se aproximando.
Naquele dia, na calada da manhã, avistei da minha janela imperceptível
Um chapéu de palha trajando um velho forasteiro com uma capanga estranha
Vestida de um aviso um tanto antiquado para o momento: coragem pra seguir.

Foto: Jossier Boleão

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Entre Pedras



A velha mulher caminhava entre as pedras que colocaram em seu caminho. Era uma poetisa. Trajava-se de palavras tão límpidas que se tornavam pontiagudas. A velha mulher não fora sempre assim. Antes, quando jovem, carregava ela mesma as pedras que atiravam e assim foi construindo seu castelo de sonhos e de dores.
Dos sonhos, elaborou detalhadamente cada parede. Das dores, expôs em grandes molduras douradas entrelaçadas aos sonhos.

Hoje, quando olho cada parede não vejo nem sonhos, nem dores. Somente espelhos.


Foto: Jossier Boleão

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Flores para setembro

Às vezes fico imaginando como seria a vida sem as flores. E a morte? Flores e morte, dois contrários.
Quando pensei no título desse texto eu pensei em primavera, em pássaros cantarolando e em insetos felizes com néctar. Não tinha pensado em morte e o setembro era só uma rima para as flores.
Nosso percurso é tão imprevisível quanto morrer. Comecei a escrever e pronto! A segunda ideia que veio foi a morte. Não gosto da morte. Não tenho afinidade com ela. Aliás, desde que nasci trilho um caminho diferente para jamais encontrá-la: considero-a uma inimiga astuta e inconstante.
Porém, deixo claro: sem mágoas, mas também sem amores! E mais. Sem chances de relacionamento.
Novamente, fico questionando a causa de enfiar a morte no meio de setembro – esse jardim florido... Não consigo entender por que as flores estão presentes, compactuando com a morte. Acredito que há uma estreita afinidade entre o nascer e o morrer.
Flores ao nascer, ao conceber, ao amar, ser amado e amada. Damos flores no dia seguinte ou no erro sequente. Vivemos flores, mas também morremos flores.
Desejamos flores na primavera...mas enviamos as cores para coroar a morte.
Estranha conexão entre a morte e as flores: a flor é vida e a morte, a princípio, não se esquiva de sua condição de morte!
Será que morremos para receber as flores? Ou são as flores que nascem para nos ver morrer? Não sei.
Enquanto não encontro o elo, desejo-te flores para tua primavera – de vida ou de morte.

Aos dono d’casa...

Pedimo vossa licença pra módi entrá
Pedimo vossa licença pra módi rezá


Ao sinhô e sinhora pedimo passage pra cantá
Viemo de longe, trazendo os santo e os canto


Qui esse terreiro seja abençuadu por Nosso Sinhô Jesus
Pela Virgem e todos os santo.


Nossa reza é demais longe, sô!
Ô Sinhô!
Rogai pelos dono d’casa
Que recebe nóis com amo


Daí pra eles a fartura
Nóis recebemo nessa morada


Virgenzinha prepara a morada na hora da chegada
Que agora nóis cantemo e rezemo
Agradicidos pelo que comemo e bebemo


Partimo então, levando os santo pro povo
Pros dono d’casa, aonde a família sagrada
Faz eterna morada.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Chique

Bem aventurados são aqueles que se aventuram na língua materna. Costumo ler textos e re-textos espalhados por este ambiente virtual e muitos deles são um verdadeiro universo paralelo.
De língua portuguesa encontramos pouco. De coesão menos e de coerência às origens “prefiro não comentar”.
Nessa constelação de virtualidade, futilidade, banalidade e “chiquesas” estão poucas palavras da nossa língua servindo apenas como conectores.
Pobres conectores, sem luxo, sem sensualidade e sem fama.
O bom mesmo, para um texto ficar “legal” é escrever em Francês e Inglês.
Exageros dos modismos bem-nascidos: uma caçamba de termos estrangeiros.
Acho chique derramar idiomas nos textos em português! Mas sou fanático em rebuscá-los no bom, popular, criativo e dinâmico português.
Chique mesmo é aprender a nossa semântica!
Procurar nossos sinônimos!
Se divertir com os antônimos!
Analisar o discurso...

Fotografia

Detesto fotografia. Prefiro lembrar pela memória.
Prefiro o preto-e-branco e as cores do pôr-do-sol, não dos sorrisos.
Particularmente, acho um charme fazer pequenos movimentos.
Gosto mesmo é da verdade.
E a fotografia é isso: um tempo parado no tempo.
É um ensaio repentino daquilo que não és e que desejaria ser.


Sou contra as imagens. Prefiro os olhares.
Prefiro o lacrimejar inundando, em silêncio, aquele tempo.
Especialmente, gosto da memória. Tenho uma afinidade em memorar.
Gosto mesmo é do engano.
Ele é dinâmico, traveste-se belamente, tem personalidade e faz com quem
Acredite: é o engano que se engana.


Sou mesmo a favor das cores. Prefiro o que é fosco: a verdade.
Francamente, acho um luxo a mentira.
Sempre tentando, inventando e reinventado. E no fim:
Fica nua.


Mudei de ideia. Tenho apego pela fotografia.
Prefiro tê-la numa caixa empoeirada.
Ela é prática: posso rasgar e cortar.
Tenha certeza: fácil de queimar e de esquecer.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

A porta que eu era, a era

Quando eu era pequeno, eu queria ter uma porta. Uma porta grande, grandíssima! Que precisasse de muita força para abrir.
Eu queria uma porta que fosse forte
Que se abrisse em suntuosas duas partes
E que cada uma das partes levasse aos lugares mais longes
Aos sonhos mais sonhados, mais esculpidos.



Quando eu fui crescendo, aos poucos a porta ia mudando.
Houve épocas que ela era quase uma porta de armário: bem pequenina.
Em outros tempos, eras difíceis, a porta se encorajava e vestia-se de ferro
Perfurava as sombras e os sombrios.



O dia amanhecia primavera, e a porta se enchia
Cada parte se abria
Enfeitava-se de colorido e o caminho era um grande manto de flores.
Com peixes voadores sobre os rios.



Em tempos frios a porta tornou-se um portão.
De madeira, desgastado pela umidade
A porta foi se desencantando com desumanidade.
Mas uma das partes, o lado de dentro não.



Veio o ladrão
Como um manso cão
Tirou o frio, quebrou o rio e desmantelou o vão
Do portão.
E a porta era, era a porta, a porta da era as eras

Em teu aniversário

Vestirei uma maquiagem cor de abil
Para combinar com teu dessoriso
Enfeitarei meu cabelo vil.



Antes, pela manhã, vou abrir os olhos
Lavar os pés,
Somente eles.



Em teu dia
Em teu aniversário
Irei ao festejo.
Prometo:
Ficarei por perto
De olhos semi-abertos.



Maquiarei meu riso
Com um véu preto
Descerá sobre meu olhar
O caminho tenso.



Nesse dia serei eu.
Não sei se te abraçarei
Eu minto:
Tenho medo dos mitos.



Não se assuste!
Meu corpo estará todo enrolado
Em tecidos esquecidos
Com estampa de céu nublado.



E minha alma...
Ah, essa não estará lá
Porque o sentimento
Fugiu junto com as dores.
Se escondeu dos amores



Eu também vou ventando
Inventando
Com meu negro véu
Para o céu
Velando
Voando.