domingo, 30 de setembro de 2012

Que seja o sim


Há uma fresta em mim.
Coisa maluca de se pensar...
Há um mar em ressaca
e eu aqui a te lembrar.

No vão do portão
esperando o sim ao invés do não.
Só pra te abraçar.

E ai, fazer  a vida
fazer o silêncio
fazer a morte
calar.

Te abraçar
sem medo das gaivotas
e de todo o mar
e de novo voar
e de tudo sonhar.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Naquele tempo, nem eles...


Tento, mata adentro, encontrar aqueles marcos que demarcavam nossos limites: 
do meu corpo,
do teu corpo,
da tua nudez,
da minha timidez,
dos nossos desejos
e dos nossos medos.
Daqueles planos
e de todos os panos,
dos lençóis 
e dos nossos sóis.

Não há mais mato, tudo é plano
e não há mais marcos
porque os limites se foram
quando você se foi.

O que há é vastidão,
imensidão que transborda
a musculatura do coração.
Mas não tem nada não!
Ainda seremos o mundo sem bordas.

Sonhamos tanto
e nos olhamos mais ainda
que nem poemas nasceram.
Só depois,
quando a terra molhou-se de pranto.
Mas tem nada não!
Ainda seremos o infinito pelas mãos.

Contrição


Sinto que o negócio está feio quando, antes de me deitar, em minhas orações, inicio:

"Creio em Você, Meu Amor todo-poderoso, Criador do nosso céu e do meu inferno"...

- Espera aí! Não era aquela outra oração hoje:

"Salve Rainha Mãe do amores aflitos, vida e loucura nossa. 

A Vós pelados os segredos de Eva..."

Durmo e já acordo me redimindo:

"Ó meu Deus, eu realmente me arrependo por ele ter um amor bandido...Estou convencido a mudar de cidade com a ajuda de Tua Graça e do novo emprego.
Para não mais amar e deitar com o Diabo"

Amém.


terça-feira, 25 de setembro de 2012

A Certidão do último Encontro




Chegou mais cedo que de costume. Fitou seus olhos arredondados, cor de lodo, no pote de doce de pêssegos, que estavam em cima da geladeira, Caminhou até a cama e se desfez do fardo.

Olhou atentamente para as paredes de cores iguais, com uma única marca, demarcando o território ilusório dos desejos incomuns. Sentou-se à beira da cama, no chão, sacou de dentro da bolsa o diagnóstico. Não teve coragem abrir o envelope com a notícia já sabida.

Chovia lá fora. Chovia também lá dentro e, por fora e por dentro, as paredes escorria água cristalina feito numa bica. Levantou-se lentamente e pegou em seus guardados a certidão, que dizia mais ou menos assim:

“Aos nove dias, do mês de janeiro, do ano de dois mil e doze, da Era de Nosso Senhor Jesus Cristo, atestou-se o falecimento de...

[uma pausa e um desaguar]

...o falecimento de: Amor de Inocêncio Puro dos Anjos. Óbito ocorrido às 22h36.
Causa do falecimento: falência múltipla da vida e dos tecidos de desejos, acarretada por overdose de erros

Declarou o óbito: Eu de Desejos Inocêncio Puro dos Anjos e pela Dra.: Vida De Fato Real”

[...] Teceu lentamente todas as palavras ali contidas e criou coragem para ler novamente o diagnóstico:

“Laudo: Mal de Amor Crônico – Observações: Paciente com riscos de desenvolver apatia ao amor em excesso”.

[...] E veio a decisão. Ouviu a música preferida, arrumou todas as coisas. Deixou, em ordem, os livros, os textos e os poemas ainda não escritos. Soluçou com o frio que subia das pernas à alma.

Acalentou o desespero e arrumou as malas para não levar nada... Esperou até a lua ir se recolhendo e o sol brilhar, fechou lentamente os olhos e voou céu abaixo.


domingo, 23 de setembro de 2012

"Não quero lhe falar, meu grande amor"



Recentemente, acompanhei de perto [se é possível estar longe, nas possibilidades virtuais] a saga de amigos sobre esse sentimento tão antigo, tão igual, tão diferente e astuto em si mesmo, capaz de se reinventar a cada pessoa e a cada momento, e ainda continuar sendo o mesmo: o Amor. Lógico, também acompanhei de perto tudo sobre mim.

Uns sentem a necessidade de extravasar o amor na paixão e acham "a coisa mais fina do mundo" [ Ensinamento, de Adélia Prado]. Outros, querem só amar. Um amor que "seja uma coisa boa". Mas é?

Nossa [e digo nossa, porque me incluo] necessidade de projetar o desejo, a falta e a carência a algum 'objeto' a ser amado, faz a gente perceber dores. Dores, que, muitas vezes, deixa-nos iguais. Aos ídolos, aos tolos...mas por que não ser tolos?

Um amor vira uma caça. Transforma-se em um ensinamento, com vídeos sobre ele, post's declarando o que é ou não e em textos [inclusive este]. O amor deixa seu status de amor e vira outra coisa, " por isso, cuidado, meu Bem. Há perigo na esquina" [Como nossos pais de Belchior].

Há Amores prontos, estabelecidos, transvestidos, numa via de mão única: - "Quero viver o amor do outro, não o meu." E ai, talvez seria a grande questão para mim: ser amado/a  e não somente amar. Por que quando falamos "-Quero um amor", na verdade, estamos dizendo que queremos ser amados, mas nem sempre amar?

E, para mim, o amor não é bonito. Ele é tão egoísta que não suporta nada além dele. É desbotado, pois faz dos dias uma única cor, transforma o tempo na mesmice [a não ser que ele, o amor, tenha um caso com a paixão]. Mas também concordo que o amor seja doação: de um para o outro que não tá nem aí!

"Eu sei de tudo na ferida viva do meu coração". Você ainda acha que sabemos muito sobre o amor? Acredito que não. Inclusive, numa noite dessas, na boemia da noturnidade, fui questionado se eu já havia experimentado o amor. Eu, respondi: - "Sim." No entanto, pego as palavras de um amigo para dizer que nesse sim havia uma frase por traz, uma história, uma angústia. E ai fiquei pensando muito sobre isso [experimentei o amor?]

Quantas vezes você achou que estava vivendo o amor e tempos depois, após sonhar antes de viver, descobre que agora sim está vivendo o amor e mais na frente, descobrirá que é aquele o ponto certo do amor? Pois é, então é o mesmo amor diferente e maior? Ou não é o amor?

Sei lá. Só sei que...já sei de muita coisa para achar  o amor essa fofura toda. O cara [o amor] é tão perverso, que precisa experimentar [igual aos artistas que renovam seus processos criativos] para continuar. Sua vida longa parte da experimentação do que  outro pode oferecer a ele. Ele mesmo, às vezes, não tem a oferecer. E quando tem, a gente nunca saberá que foi por completo.

Por isso, meu bem, muitas vezes não se angustie com seu vazio. O vazio quando bem compreendido é capaz de transformar a solidão numa resistência. Uma resistência aos amores ruins, cara-de-paus, pilantras, cafajestes, em construção. Eu mesmo, lido bem com estado de vaziez, pois sei que sobra muito espaço para arredar os móveis por onde eu quiser e ainda aprender nos discos o que não vivi, mas o que aconteceu com ele, o amor. 

sábado, 22 de setembro de 2012

Desalinhes


Não quero fazer nenhum poema.
Nem mesmo colocar uma palavra na frente da outra.

Não quero dizer notas musicais.
Nem mesmo colocar melodias nos cantos.

Não quero entregar flores.
Nem mesmo me declarar romântico.

Quero escrever desalinhadamente
e florir com a seca
e florescer com a chuva
e esfriar no deserto
e esquentar no gelo.

Quero atiçar os desejos alheios
e correr entre todos os quintais
e entender as palavras
e apagar as velas
e plantar os espinhos.

Quero primaverar
a vida de ternura
as amizades de bobagens
a agonia de felicidade
as noites de dias
o amor...de amor.


segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Muralha de Vermes



Construo, lentamente, há séculos minha muralha.
Arrancando cada partícula de pele que cresce, à unha
e alimento, na carne viva, os desejos alheios.

Se eu não estivesse louco, diria que já venho de outras vidas
enchendo bexigas e estourando tripas.
Jorro um líquido gosmento amarelo-esverdeado
dentro do teu prato. É ouro.
É o melhor que tenho.

Construo, pacificamente, a sangue e ferro minha muralha.
Arrancando cada centímetro de amor que nasce, à foice
e alimento, na podridão viva, os bocejos dos corvos.

Cuido de meu aquário.
De vermes.
Bem alimentados para no dia-a-dia
consumirem da minha língua aos meus pés.

Cravo, cada cravo arredondando meu calvário 
Só para não deixar trabalho.
Nem dúvidas de minha morte no baralho.

A duras penas, eu me depeno
desde pequeno e com unhas
cavo cada palmo
do jardim para meus vermes.

Exercito no grito, o silêncio
de me experimentarem
das unhas às carnes
Viva. Amarelada e pálida
Sem textura e decadente
para que no fim valha
o tamanho de minha muralha.

domingo, 16 de setembro de 2012

Serenidade de não entender



Sempre há um dia, uma manhã, uma noite ou até mesmo um momento que nos deixa sem entender. Entender uma atitude alheia, uma decisão errada nossa, ou do outro. Entender a vida e o seu movimento mar adentro. 

Há dias que parece haver uma tristeza de outras vidas na gente. Que há lágrimas acumuladas dos ancestrais e que essa água cristalina e salobre vai inundando nossos pulmões. Mas ao invés de nos matar, ficamos encharcados de vida ou de morte.

Ao longo de nossos dias são tantas perguntas e todas elas necessárias. Pois, enquanto estamos perguntando, também vamos respondendo: com os olhos, com as mãos, com o coração e ouvidos.

São tantos amores nunca sentidos. Tantas juras desfeitas, tantos ímpetos de ódio desvendados, mentidos, ocultados. São tantos desencontros concretizados e outros tantos encontros largados pelo caminho.

E aí, acho que todos nós, acordamos prontos para partir. Dá uma sensação de arrumar tudo, deixar as coisas fáceis para os outros encontrarem, cartas escritas, bilhetes inacabados. Faxina nas coisas que os outros não precisarão ver depois...É como se morrer tivesse um dia certo (e tem!) e soubéssemos exatamente do momento, mas sem a opção de exitar.

Há manhãs que o dia já amanhece dizendo: - Cuide de tudo. Olhe bem as árvores, as corujas, os gaviões, escute os pássaros na sua sacada, a clareza do dia, a poeira e as gotas de chuva...veja tudo com atenção, pois pode ser hoje seu dia para fazer a partida.

Não que haja medo de morrer, mas só da forma de morrer. Porque na verdade é como uma compra parcelada, vamos pagando antecipadamente até chegar ao dia fixo de ir.

Eu, às vezes, tenho dessas bobagens de achar que vai dar tempo de despedidas, de abraços apertados e prolongados. Mas sei que não será assim, vai ser num triz e ai...não sei mais. Por isso mesmo é um sentimento incompleto, de deduções, de hipóteses e de desejos.

Nesses momentos eu penso em todas as pessoas que eu gostaria de dizer até logo, de abraçar, de olhar atentamente e levar comigo o brilho de cada olhar...Pois é, você sabe agora então, que há em mim uma carta pronta de despedida. Só não sei se haverá tempo para eu entregá-la.

Chega mais uma noite e penso: não nesse dia, mas poderá ser ainda nessa calada da noite o meu voo...é viver a incerteza e ter a serenidade de conviver com tudo que vamos acumulando no decorrer das parcelas...Só sei que a bagagem material será pequena, mínima, mas a espiritual precisa ser grande. Uma para compensar a outra e é melhor ter alguma delas como precaução.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

A Senhora Saudade


Quando estou comigo mesmo, sempre falamos do outro...dos outros.
Dos tempos de outrora.
Das risadas da aurora.
Quando estou comigo mesmo, conversamos sobre aqueles dias que passávamos juntos e até mesmo separados.

E fazemos memória daquelas cartas escritas pela Saudade:
"Estar longe de você é quase uma sensação de outono.
Sinto minhas folhas caindo, secas e o vento levando.
Só não digo que é saudade, porque eu sou ela
e fora de mim, não sei o que é ser eu."

Quando estamos conversando, eu e nós, sinto essa angústia terrível
de ser acrescentado pelo meu desejo e o teu
e no mesmo sentido de nossos sentidos,
a proibição.

Fica sempre mais brando quando nos juntamos em mim e escrevemos a você:
" Também sinto que estar longe de você é uma sensação de deserto.
Passo a noite fria e congelante andando para encontrar você, ao amanhecer,
mas é quentura demais para estar perto.
Só não digo que morrerei porque teu desejo secará
e não posso deixar minha Saudade órfã".

sábado, 8 de setembro de 2012

Dupla liberdade


Quem diria que sim?
Quem afirmaria que não?
Ninguém e todo mundo.
O mundo é todo
e ninguém é o mundo.

Prontos? Pronto. Voar? Sim...vamos.
Tão um, tão dois e nós três
mais uma vez.
Seja cortês
e apare os laços
desses nossos delicados traços
que de nossas mãos voam pássaros.

Quem diria que sim.
Quem diria que não.
O coração e os caminhos de véu,
outro espaço de um novo céu.

Ilustração: Tati Almeida

Depois-Menino


Depois. Sempre depois, nem antes, nem agora.
Quem sabe um dia. Não agora. Só depois, você me entenderá.
-Meu anjo, se você gostar mesmo, entenderá.

Menino. Depois. Cacos e caos.
Igual ao velho ancião o tempo sobe a montanha.
Depois...não há nada.
Nem para chorar, nem para rir.
Talvez para viver
e para ler
e para morrer.

Depois do ar
morrer de amar.
Mas só depois. Menino!
Ah, ainda te nino.
Ponho seus sonhos para dormir em meu colo
Canto uma canção surreal
Igual àquelas nossas juras sem juras.

Você curti? Eu não.
Eu amo? Você não.
Você jurou? Eu também.

Esquecemos? Nada...só depois
Porque às vezes um é dois
e dois é um.

domingo, 2 de setembro de 2012

Cavalo-árvore


Eis que surge imponente e voraz.
Muito mais audaz.
Feito árvore. Composto de verde. 
Estático em sua fluidez imaginaria
a caminhar à beira do caminho que nasce a fé.
Busca intensa de quem cavalga pelas vidas
de tantas idas e outras a irem.
Cavalo de árvore, valente companheiro
que nos guia na ida e na volta.



Entre Libido


Jogue tudo em cima da cama.
Toalhas, guardanapos, talheres e pratos.
Deixe todo o resto em fiapos...
Não quero nem saber do que você é feito.
Infla esse peito e mergulhe fundo.
Molhe. Molhe...molhe mais até se encharcar.
E coma. Coma com colher
esqueça de ser homem ou mulher,
nem traduza as minhas frases feitas e
por favor, respeite, minhas fases perfeitas.
Espalhe o tempero para deixar a carne macia
use coentro e cebolinha 
e muita tinta de urucum.
Não sou nem mais nem um.
Devore a macieza e deixe
para a madrugada raiando
a sobre-a-mesa.