quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Prato Cheio no Mercado Central


Com certeza, você que mora ou já veio a Goiânia passou pelo Mercado Central de Goiânia. Não é grande. É aconchegante, assim como a cidade. Os olhos crescem e se enchem de cores, texturas formatos, ao passo que o bolso corre grande risco de diminuir diante de tantos chamativos itens ao dispor.

O que sempre me chama mais atenção é a comida. Não que eu goste de praticar a gula, mas encanto-me pela overdose de sabores, pratos, cheiros e gritos.

Sim, são muitos os gritos! Em menos de cinco minutos, você é capaz de tomar também uma super dose de gentileza convidativa para degustar, à vontade, a comida farta.

- " Meu amiguinho, tudo bem? Vamos almoçar com a gente."
- " Olha a melhor comida do centro de Goiânia, freguez."
- " Vem, vem. Vem comer ó?! De brinde suco de dois sabores, à vontade. Mas temos suco natural de laranja!"
- "Tem dobradinha, feijoada, sarapatel. Uma deliciosa lasanha... A saladinha, feijão tropeiro."
- "Ei senhor. Psiu, senhora, vamos almoçar aqui, ó."
- "Come o quanto aguentar e só paga seis reais e noventa e nove centavos."

Tudo junto e como diriam, "misturado". Não se sabe se são as carnes transbordando fumaça e cheiro, bem ou não passadas ou se a gentileza desses comerciantes, que fazem todos os locais se encherem e esvaziarem numa coordenação de turnos. Cada turno, dura em média quinze minutos. Tempo suficiente para fazer aquela "serra", por duas vezes.

Uma figura, particularmente, chamou minha curiosidade. Até perdi a fome. É a Telma.
- "Telma, suco aqui na mesa do senhor."
- "Telma, mi dá dois reais aí."
- "Telma, essa mesa tá suja. Limpa aqui pra tia."
- "Telma, faz um recibo aqui pro moço."
- "Telma, o senhor tá esperando o suco."
- "Telma, o arroz acabou."
- "Aqui, ó, Telma uma coca seiscentos, naquela mesa."
- "Telma, vê uma mesa pra esses freguezes aqui."

E  assim, os olhos correm aos ouvidos atentos que enxergam, de Telma. Que brandamente diz com as mãos: "tempo". Afinal, todos nós precisamos de um tempo e a Telma, em tempo, é uma só.

Foto: aqui


segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Lambida

Venha. Venha
Venha com toda tua lenha.
Venha com tua chuva
Banha-me. Assanha-me.

Quero que venha forte.
Forte. Ferreiro
Ferreira.
Aguda, flor de laranjeira.
Perfuma-me. Consuma-me.

Degrada-me por inteiro
corroe meus poros
estraçalhe meus ossos.

Desintegre minha feição
retire minha afeição
corrompa minha respiração.

Venha forte.
Venha com devaneio.
Assanha-me.
Abrasa-me!

Trezentos e Dois


O caminho pode ser o mesmo de todos os dias, porém nos mesmos passos, há sempre uma nova descoberta. E a conclusão segura é que o caminho é sempre incerto. Sem dúvida, num dia a gente olha um lado, no outro a gente olha para cima e já no outro percebe os próprios passos...

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Nessa mesma rua, de todos os dias nossos de cada horário, num dia deparei-mei com os arbustos que cerram a frente da casa de número trezentos e dois. Uma total incoerência semântica para o lugar fundado na Rua Oitenta e Três.

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Semânticas à parte, passa-se a existir a solidão retumbante nas paredes desgastadas e sólidas. No escuro iminente que transborda o verde intenso das folhas e de alguma outra cor desabrochada por rara flor.

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Solidão da senhora franzina. Parecida com a vida da gente, mesmo que encoberta por duras paredes de cimento, vigas, tijolos ainda há espaço para a doçura das águas das chuvas penetrarem os mínimos vãos e deixarem suas marcas. Marcas estas que, às vezes, são fatais... É, a delicadeza também é mortal!

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Tímida, a casa se esconde sob o trezentos e dois, que por sua vez, recatado, prefere deixar a solidão da velha moradia e da sua própria no pequeno abismo dos galhos intensos, das liminárias antigas e do portão simples, frágil - assim como é a sua dona.

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Quase um silêncio desesperador reina alí. Quando a percebo, reconheço um desejo danado de que o silêncio possa, em algum momento, gritar alto e forte. Mas por sua natureza, prefere continuar ninando o sono das crianças crescidas e que já não moram ali mais. Somente suas memórias continuam.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Dê-me Palavras


Sou um forasteiro trajado por um chapeu
velho de palha.
Vago entre os becos
de tantos terrenos secos
cortando vento com meu cavalo
branco

Não tenho cor
e sou todas elas
das vagabundas às donzelas
E há quem tenha medo de mim
mas também sei
que para tudo existe a navalha

Mendigo por aí
as palavras mudas
mesquinhas e desconexas
Sou o vulto certeiro
do amor
que foge do cativeiro

É um bornal
em que trago todo meu arsenal
para os dias frios
e os de calor infernal
Mas não pense que muito
deixei

Vou brincando de ser novo
mas a velhice precoçe
é minha sorte
Assim trago no peito
as tuas sílabas catadas
em gaiolas quebradas

Sou, talvez,
o único eco da vez
lanço e escuto de volta
as palavras do mundo
gritando revolta.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Nó(s)vos poetas


Descobriram que poesia é fácil,
que poemar é comum
e escrever é leviano.

Descobriram rimas fáceis,
palavras frágeis
e melodias táteis.

Descobriram-se.
Descobriram-se a poesia,
a demência
e a taquecardia!

Não se descobriram,
nem descobriu.
Palavra é raiz,
é folha com verniz.

Nós,
novos poetas
linhas em versos,
tolos crentes
e sentimentos desconexos.

Novos poetas,
iludidos loucos
de uma loucura pouca
e comum.

Com linhas cortadas
em estrofes organizadas
acreditam
ser poesia acertada.

Poesia é loucura
Olhar fora da realidade,
o real.
É uma dose embriagante
de desejos errantes
Não é leitura de livro
só leitura de vida.

Ah, novos poetas
loucos em sua
vaidade...
mas a poesia
extrapola verdade!

Zoiou Breve


As pernas do sinal demarcavam os últimos passos do verde-avermelhado
e ele corria
corria feito amor alado.
Trincava os dentes feito cachorro doido
na encruzilhada
à espera da moça do noivo.
Naquele sol noturno e alegremente
feito a nova-velha
demente.
Eu me perdia
feito dia
e os dentes que caiam
ao ver seu vulto contente.

Saltou os olhos feito sal
para a carne macia
com forte desejo
de um amor banal.
Contei os passos
querendo tirar
cada verbo do meu cansaço
pelo prato e jogar
na bacia.

Arrumou os zoios
e mirou.
Firme e penetrante
do jeito que gosta,
o lobo mau.
E minha carne
tremia,
tremia feito
cotia arredia.

Prumou o olhar
e fixou-se em mim
igual à tela
que de tão bela
provoca amor
sem fim.